Parti, não por necessidade, parti
para terminar os meus estudos. Fi-lo depois de muito trabalhar, de muito
estudar, depois de ter apresentado um projecto no local certo, às pessoas
certas, que confiaram nas minhas ideias. Eram 23 horas, do dia 17 de Janeiro de
2014, quando me despedi da minha família e de amigos. Abraços, sorrisos,
lágrimas, umas mais intensas, outras no canto do olho. Lembrei-me do Bonga, vim
para África, alegre, apesar do coração apertado por deixar, por uns meses, de estar
perto dos meus. Embarquei num avião da STP Airways e dormi, imediatamente. Não
vi mar, não vi o céu africano, não vi nada, sonhei apenas. Ainda procurava
abrir os olhos totalmente quando a porta do avião se abriu. O lugar-comum do
“cheiro de África” deixou de o ser: sim esse cheiro existe mesmo, é uma mistura
de terra com um ar muito quente, que nos bate no rosto de forma intensa e no
primeiro inspirar nos enche os pulmões como nunca antes. Tossi, maldito tabaco,
ou bendito ar puro! Caminhei pela pista, suei entre um calor estranho e uma
sauna de humidade! No posto de controlo respondi ao que me perguntaram e ali,
naquele momento, percebi que leve-leve será a minha estadia em São Tomé e
Príncipe. Recebido simpaticamente pelo Celso, responsável do Programa
Descentralizado de Segurança Alimentar (PDSA), rumei à cidade.
Descrevo-vos São Tomé de forma
simples: é uma cidade bastante pequena, que parou no tempo, com imensos
edifícios coloniais. Poucos, muito poucos, são os que foram construídos pós-independência.
Nenhum, mas nenhum, tem qualquer parecença com a Lisboa que deixei e foi esse
charme e personalidade que me fez adorar, desde logo, a cidade. Giro, ou melhor,
fantástico é o facto de tudo se passar na rua. Como está sempre imenso calor, as
pessoas fazem a sua vida nas ruas e ruelas, lavam a roupa, cozinham, negoceiam,
cantam e dançam. É uma cidade pobre, o embate social, económico e cultural é
comparável a um murro forte nos rins, mas a alegria é tanta que me envergonho
das “queixinhas” que algumas vezes fazia em Lisboa. É "leve-leve” amigo
português! Adoro a expressão. Leve-leve significa que tudo se faz tudo com
muita calma e paciência, num ritmo bastante lento, sem stress, “cuida do
coração”. Por mim em seis dias já tinham montado todo o arsenal para iniciar o
projecto, por mim, digo bem, por eles é mais uma constante boa disposição,
sempre acompanhada de música, uns passos de dança e vai-se fazendo. Aceito, não
são eles que se têm de adaptar aos meus hábitos, mas aceito com um sorriso. Talvez
volte para casa com a mesma vontade de ser pró-activo, mas bem mais
compreensivo perante os percalços da realidade. E a rir, sempre.
Existem, no entanto, momentos em que
não é possível esboçar sequer um sorriso. Reparem, uma centopeia decidiu dar-me
as boas vindas ao meu novo lar. Certo, era só uma centopeia, certo que me foi
explicado que são venenosas (não mortais, claro, provocam apenas grandes
inchaços), mas tinha o tamanho de um palmo de mão. Isso, um palmo, 15/20 cm de
bicho! A hesitação foi entre o pegar na dita, fazer-lhe uma festinha e pô-la na
rua ou… não interessa! E ontem, bem ontem enquanto via um filme na minha cama
mosquiteira, pareceu-me que algo estranho me observava na parede. Não liguei, pensei
que era imaginação, mas depois a minha atenção ficou presa, tão presa, qual
amor esfusiante de lábios encarnados a voarem no céu africano: era, apenas e
só, uma aranha do tamanho da minha mão, coisa pouca, pequenita e fofa. Reparem,
eu escrevi, do tamanho da minha mão, sejam solidários! Acho que na minha vida nunca
dei tanto valor a chinelos. Adormeci meio a medo, não escondo. Às seis da manhã
já anda tudo na rua. Aqui acordam por volta das 05:00, hora do nascer do sol,
as escolas começam às 07:00 e acabam às 17:30. E como a população toda sabia da
minha vinda, oferecem-me três momentos do dia que me fazem sentir mais em casa:
existem três horas de ponta, um trânsito brutal (06:30, 12:30 e 17:30).
Imaginem a A5, na zona do Monsanto, às 23:00, é quase igual, mas um bocadinho
menos.
Sim, já sei, comida! É simplesmente
deliciosa, o Eleven ao pé da Dona Lilia é um restaurantezinho! Adoro banana-pão,
adoro as espetadas de búzios e as folhas de matabala. Aqui existe uma panóplia
de frutas inacreditável, muitas que nem conhecia e em todo o lado, em todas as árvores.
E eu até percebo que só passaram seis dias, ainda é novidade, mas se quero comer
uma goiaba vou ao meu quintal e apanho da árvore! Ou um mamão (que é a papaia
de cá) também aqui tenho. O peixe, bem o peixe é frugal! Ok, frugal numa cidade
tão pobre parece exagero, mas chega do mar directamente para a grelha, fresco,
e depois é bem cozinhado! E mesmo que esteja a ser comido em pratos com 60 anos
e sentado num tronco tudo me sabe deliciosamente bem. Carne quase não existe e
a que existe é bastante cara. Disseram-me que me arranjam uma cabra a um preço
bom, mas que tenho de ser eu a mata-la e cozinha-la. Viva o peixe, o pouco
colesterol, a silhueta e a vida das cabrinhas!
Nota1: a minha
vida passou dos 80 para os 8, mas um 8 cheio de coisas positivas e com uma nova
perspectiva de como é viver, aprender a viver, mesmo.
Nota2: poucas
são as pessoas com que me cruzei que sabem ler e escrever e nós em Portugal com
tantos professores desempregados. Uma cooperação mais activa entre os dois
países ajudaria, não?
Nota3: uma
criança de seis anos perguntou-me: “o que és tu?”. Nunca tinha visto um branco
na vida.
MG/TG